Carta ao Tempo
Uma reflexão sobre a relação com o tempo, valorizando tanto os momentos bons quanto os desafios impostos pela passagem deste.

Querido Tempo,
Você é a medida mais escorregadia que conheço. Quando penso que te controlo, você escapa entre meus dedos como areia fina, e logo me vejo à mercê dos seus caprichos. Às vezes, você corre tão rápido que me deixa sem fôlego; outras, caminha lento, quase parando, como se quisesse me torturar com a espera.
Tenho aprendido que, ao contrário do que tantos dizem, não é você quem cura tudo. Não basta deixar que os dias passem; é o que fazemos com eles que cicatriza as feridas. Mas, mesmo assim, preciso de você para que as lições se assentem, para que as dores se tornem memórias e as memórias ganhem o toque suave da nostalgia.
Você, Tempo, é um professor implacável. Ensina-me com sua passagem a aceitar o que não posso mudar e a valorizar os momentos que tenho. Mostra-me que cada segundo perdido não volta, mas também que sempre há algo novo a ganhar no próximo momento. Quando olho para trás, percebo as vezes que você foi generoso, permitindo-me saborear instantes...e, mesmo nas vezes em que pareceu cruel, correndo em momentos que eu queria eternizar, sei que você fazia parte de um ciclo maior.
Às vezes, confesso, fui descuidada. Pisquei, e você passou. Corri tão rápido na busca de algo que, quando finalmente você bateu a minha porta, percebi que já não sou mais a menina. Mas você é a eterna criança que ainda brinca, sonha e se encanta...e acredito que possui uma parte que nunca vai amadurecer. O espelho reflete uma mulher, mas, o coração às vezes se esquece que você passou e pulsa com a mesma leveza e inquietação de outrora... A essência do que sou sobrevive a sua passagem.
Como diz a canção: “Você sabe passar e eu não sei... você não sabe ficar e eu também não sei... Recorda um amor que perdi... Zomba do quanto eu chorei... Adormece as paixões... Você aprisiona ou liberta? ”.
Por que será que o valorizamos tanto apenas quando você parece se esvair? Quando jovens, nos achamos donos de você, como se houvesse uma infinidade à nossa frente. Só mais tarde percebemos que você tem sua própria agenda e não faz acordos.
Hoje, tento ser grata pela sua presença silenciosa, por tudo o que você me trouxe e por aquilo que ainda promete. Reconheço que sua passagem não é inimiga, mas aliada da minha própria evolução. Se você insiste em seguir adiante, que seja ao meu lado, guiando-me com paciência e sabedoria.
Espero que eu aprenda, com sua companhia, a viver com mais presença, sem me perder entre o passado e o futuro. Que eu faça das horas vividas um tributo ao agora. Que eu possa dançar a sua dança, acompanhar seu ritmo, sem tropeçar nas minhas próprias expectativas.
Com respeito
Eu
COMPANHIA NO DIVÃ - Bia Melara
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